terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O que é amor? ( sem tanto clichê )


Vou.
Arrastando os dedos,como quem deseja levar,nos pés um pouco de terra e deixar,no caminho,alguma marca que possa conduzir a mim. É triste,ir. Por mais tortuoso que seja o terreno,deixá-lo dói.
Somos materialistas até a alma. Sem querer e,contra as leis de Deus,nos apegamos não só aos objetos,mas também às pessoas. E,por mais desvirtuado que esteja o mundo,ainda necessitamos das relações humanas. "É impossível ser feliz sozinho".
Imagine-se em uma ilha deserta. Cheio de dinheiro,conforto,comida " à la vonté " e tudo que tem direito. Seria uma vida de poder,luxo...alegria,não? Quem disse que dinheiro não traz felicidade,certamente não passava por dificuldades financeiras.Agora,imagine que,nessa ilha e,em todo o restante do mundo não existisse mais ninguém,só você.O sentido da vida ainda existiria? Ao menos para mim,não.
É certo: "Amar ao próximo como a si mesmo" é lei divina. Mas até onde vai o amar? Até onde está o verdadeiro amor,que ama,incondicionalmente e acima de qualquer mágua e qualquer distância e,em que momento ele se desvencilha daquilo que apenas supre carência e nos dá sensação de posse?
_É meu e pronto.
O ser humano precisa possuir. Precisa sentir-se dono de algo. Nem que seja o carinho exclusivo de alguém.
Somos,essencialmente monogâmicos. Não por falta de desejo de ter muitos homens e/ou mulheres,ao mesmo tempo,porque libido,no ser humano,não falta no estoque. Mas por precisarmos ser donos e,por convenção,para sermos donos,precisamos ser propriedade.
É bonitinho,quando se é criança e a mamãe nos observa apontar para o brinquedo novo e dizer,com os peitos estufados: É meu! O grande problema é a herança egoísta que se estende aos anos seguintes.
Crescem ossos,músculos,tecido adiposo e a produção de hormônios explode em êxtase,na puberdade: é aí que mora o perigo.
Na adolescência surge a busca incessante do amor. Essa busca é árdua e dura toda a vida. Se não encontramos,estamos à procura. Se encontramos,terminamos insatisfeitos,afinal,a partir do momentio em que se conhece os defeitos de alguém,esse alguém passa a ser um incômodo. Como o ser humano procura responsabilizar pessoas pela sua felicidade e infelicidade,descartar torna-se a melhor opção. Ora,se uma roupa não me serve mais,compro outra,não? Customizar dá trabalho,Certo? Errado.Posso ser uma velha de vinte e um anos,a careta das caretas,mas,confesso: Não acredito nessa convenção.
Em uma visão espiritual,acredito que nenhuma união é por acaso. Em, "Jesus e Kardec" ,lembro-me ter lido sobre isso.É necessário que se entenda o sentido do amor.
Metaforicamente,amor é construção. Sid Ali,em " O Clone",diz isso sempre,o que me faz admirar veementemente a cultura Islâmica. Quem disse que novela não é cultura? Os orientais evitam as tentações e contróem os laços,em nome de Deus e não da satisfação do prazer pessoal,nem do desejo sexual e não destróem o sentimento nas primeiras discussões,confiando na oferta fácil do sexo,que a imprensa macifica, agressivamente.
Amar é materialismo,sim,mas da forma mais bonita que pode existir. É sensação de dependência? Um pouco. Mas uma dependência saudável. O "precisar" da simples presença e não da submissão alheia. É amar o sorriso e as lágrimas. Os defeitos e as qualidades. "Na saúde e na doença,na alegria e na tristeza,na riqueza e na pobreza." Nada mais adequado.
Por fim,amar é não querer ir embora.Por isso,caso um dia você se sinta ligado a alguém,a ponto de,na distância,os dias não terminarem,a bebida não fazer efeito,o Carnaval não causar empolgação e as letrinhas dos livros dançarem ula-ula,na véspera de uma prova,pá-pum: é amor. Amarre-se e não largue,nem sob tortura. Felizes os que têm a sorte de sentir! Amarre-se,vale ressaltar,na beleza daquilo que está sentindo. Não,necessariamente à pessoa que inspira.
Aprender a amar é uma dádiva. O melhor de tudo é que a experiência que isso causa é como andar de bicicleta,não se desaprende. Você pode,na trama da vida,encontrar diversos personagens diferentes,a cada temporada. Podem entrar e sair atores e candidarem-se diversos substitutos. Você pode perder um amor,mas nunca perderá a capacidade de amar!

Um comentário:

David Carneiro disse...

Marilinha,

Fazia tempo que não passava por aqui. Vejo que você está desenvolvendo um estilo de escrita muito interessante e, de um modo bem simples, acabou abordando uma questão existencial das mais profundas: o amor. Parece ser seu ponto central a contradição entre as vicissitudes da natureza humana (posse, carência, etc...) e a questão do Amor (com maiúscula, incondicional). Seu texto é brilhante na forma de colocar o problema, os dilemas e a complexidade. Acho que no final, ele peca justamente por desfazer o que foi feito anteriormente, talvez por tentar resolver um dilema complexo, que atravessa toda a nossa existência, com uma prescrição (tipo "agarre-se...") que se circunscreve a apenas um pontinho da experiência que você mesmo descreveu como complexa.

Voltando ao seu problema inicial, penso que na tradição ocidental (não tenho conhecimento do "oriente") essa questão foi abordada centralmente por duas tradições que acabaram se cruzando no século IV, com St. Ambrósio e Agostinho: a platônica e a cristã.

Sugiro muito que você leia o banquete, um texto curto, mas muito complexo e profundo. Resumindo bem o argumento de Diotima à Sócrates, o ponto dela é que o amor é experimentado em degraus. Primeiro se ama um corpo belo, depois todos os corpos belos, depois ações, conhecimentos e, finalmente, o Belo em si. Segundo uma interpretação do Benedito Nunes, em "O dorso do trige", esses "degraus" não se excluiriam, porém fica patente no texto que o conhecimento do belo em si acaba por gerar desinteresse pelo corpo.

Se observarmos a tradição cristã, desde Paulo, percebemos que ela estabelece uma dualidade mas antitética entre corpo e espírito, não havendo degrau necessário entre ambos, sendo a carne apenas uma contingência ("é melhor casar-se do que abrasar-se, Rm.) Assim, quando Jesus fala nos Evangelhos sobre Amar a Deus acima de todas as coisas, Amar ao próximo como a si mesmo, ele estava se referindo, na interpretação posterior dos Cristãos a uma coisa qualitativamente diferente do amor como o conhecemos: referia-se ao "Ágape", apresentado na sagrada escritura pela Carta de Paulo aos Coríntios ("ainda que eu falasse a língua dos homens...). Aqui eu sugiro duas leituras: As confissões de Agostinho e "Os quatro amores" de C.S Lewis.

Para muitos, o amor do belo em si e o Ágape seriam a mesma coisa, especialmente para os neoplatônicos do século IV. Talvez seja mesmo. O fato é que, mesmo que sejamos Cristãos, talvez esteja mais próximo de nossa realidade vivenciar o amor em suas várias gradações, sem no entanto pensar que essas vivências esgotam as formas possíveis de amar e nem nos auto-enganarmos com fórmulas de auto-ajuda. Acho que esse é um dos grandes problemas de autores da contra-cultura como Caio Fernando Abreu. Se por um lado tiveram a vantagem de expressar angústias que antes eram sufocadas, por outro lado fecharam a possibilidade literária sob essas mesmas angústias.

Quando tentamos ir além desse tipo de experiência literária, através de Platão e do Cristianismo, parece que derrubamos, ao mesmo tempo dois mitos: 1) Filosofia é viagem. Pelo contrário, serve para nos fornecer categorias que nos permitam pensar sem ficar viajando na maionese 2) Religião é irracional. Pelo contrário. Por mais que haja um componente de fé e irracionalidade na religião, os estudiosos da igreja se debruçaram como ninguém a estudar e pensar "racionalmente" os dilemas humanos mais complexos, dentre eles, o amor.

Muito bom Marilinha, parabéns.